
DO ISOLAMENTO À TRANSFORMAÇÃO: O REPOSICIONAMENTO DAS LIGAS MUNICIPAIS E O NASCIMENTO DO FUTEBOL COMUNITÁRIO
Ricardo Gluck Paul - Presidente da Federação Paraense de Futebol
Eu acredito no poder das ideias simples. Às vezes, tudo o que falta para uma revolução começar é olhar com mais atenção para o que sempre esteve diante de nós.
Foi exatamente isso que aconteceu com as ligas municipais do Pará.
Elas sempre estiveram ali. Em mais de 110 municípios paraenses, organizando competições amadoras com paixão e esforço, muitas vezes no improviso, quase sempre na invisibilidade. Durante décadas, agiram isoladamente. Sem apoio, sem estrutura, sem identidade coletiva.
A virada de chave veio quando, ao assumir a presidência da Federação Paraense de Futebol, começamos a enxergá-las como o que de fato são: elos de uma extraordinária rede de engajamento comunitário espalhada por todo o Estado.
Mais do que organizadoras de campeonatos, as ligas são pontos de contato com as comunidades. Representam bairros, vilas, zonas rurais. Cada clube municipal carrega a alma de sua gente. E quando conectamos essas ligas sob uma mesma visão, nasceu um novo conceito: o futebol comunitário.
Foi esse conceito que reposicionou a função das ligas. Deixaram de ser estruturas dispersas e passaram a ser protagonistas de um novo tempo. Um tempo em que o futebol é ferramenta de inclusão, pertencimento e transformação social.
Hoje, o Pará conta com mais de 1.500 clubes comunitários — e esse número não representa apenas times: representa comunidades inteiras. Milhares de pessoas que, organizadas em torno do futebol, formam uma rede viva, pulsante e poderosa.
Essa compreensão foi o que nos levou a criar a Superliga Pará. Mais do que um campeonato, ela é uma bandeira. Um símbolo de união. Uma estrutura que dá identidade e propósito a essa rede.
A Superliga marca o início de uma nova era: a era em que o futebol deixa de ser apenas um jogo e passa a ser um programa de engajamento comunitário em larga escala.
E o mais interessante é que a competição é só o primeiro passo. Quando você conecta 1.500 clubes e mais de 100 mil pessoas em torno de um propósito, pode fazer muito mais.
Imagine, por exemplo, um curso de educação ambiental pensado especialmente para esse público. A Federação poderia propor metas simples, como cada clube comunitário mobilizar 60 pessoas da sua localidade — entre atletas, familiares e vizinhos — para participar. A meta se torna um critério de participação no campeonato. É a lógica da rede funcionando: uma ação macro, coordenada pela Federação, sendo executada no micro, dentro de cada comunidade.
Ou pense em ações locais de sustentabilidade, como hortas comunitárias ou coleta seletiva de resíduos durante os jogos. O clube organiza, mobiliza, engaja. É o futebol sendo usado como plataforma para promover consciência, saúde, renda e pertencimento. É assim que a força da rede se mostra: quando o coletivo organiza o individual e transforma a realidade de dentro pra fora.
Com esse propósito claro, conseguimos algo inédito: atraímos a confiança de grandes marcas. A Equatorial, com R$ 1,2 milhão via lei de incentivo, e o Google, com um investimento de R$ 2,5 milhões na segunda fase da Superliga. Eles não investiram em um campeonato. Investiram em uma causa.
Uma causa que nasceu aqui, no Pará, na Amazônia, a partir do reconhecimento do valor das nossas comunidades.
Transformar essas ligas em rede foi o ponto de partida. Criar o conceito de futebol comunitário foi o fio condutor. E agora, com organização, metas e visão de futuro, temos em mãos uma plataforma social poderosa, que começa no futebol, mas não termina nele.
Esse é um dos maiores orgulhos da nossa gestão: ter tirado as ligas do anonimato, dado identidade aos clubes comunitários e criado um novo caminho para que o futebol seja instrumento de mudança real.
Porque o futebol tem, sim, o poder de transformar. Mas para isso, precisa estar ao lado das pessoas. E é exatamente isso que estamos fazendo.
No Pará, o futebol virou elo. E, com ele, estamos costurando uma nova realidade.
É o futebol indo muito além da bola.